quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As mãos que se dão não são as mesmas de anos atrás...
são as que se perderam e sempre se reencontram na primeira oportunidade de não mais se soltar.

Banalidades

Desde que soube daquela notícia, andava sobre sua insegurança como quem caminha lentamente sobre cacos de vidro em brasa. Nem mesmo as gotas daquela fina chuva de janeiro, que sempre foram motivo de inquietação no verão, incomodavam tanto. Espairecia em botecos baratos, sentada na mesa mais distante, sentindo o estômago revirar e vendo as conversas do inicio se transformar em meras lembranças. Bobagem. Na verdade ela nem se lembrava mais das conversas que haviam tido. Só se lembrava do bilhete na geladeira com uma nota de 100 reais, lhe pedindo perdão por todas as vezes que a havia desestabilizado emocional e financeiramente, por todos os conflitos internos que a havia feito sentir nos últimos anos, prometendo que jamais colocaria os pés dentro de sua casa. Talvez uma promessa nunca tenha doído tanto. Não pra ela. Era exatamente o que ela queria. Mas pra ele, que jamais voltaria a recuperar os 100 reais deixados no imã da geladeira.











quinta-feira, 4 de outubro de 2012

ponto de partida

Ficou ali em silêncio, velando pelo sono profundo em que ela se encontrara.
Fazia quase uma hora que aquele era o único som em que ouvia...acompanhava o peito dela se movimentando unido às batidas de seu coração. Aquilo doía profundamente.
Levantou-se, caminhando suavemente pelo assoalho de madeira, por aquele quarto que cheirava a incenso, a sabonete de ervas finas, à perfume de catálogos baratos. O vento que entrava pela janela provocava-lhe um arrepio que atingia-lhe o fundo d'alma. Parou diante do espelho do guarda roupas e fitou profundamente aqueles olhos tristes que se posicionavam olhando-o diretamente. Pegou o diário na estante, desceu as escadas silenciosamente, girou a chave dourada, puxou a maçaneta e saiu, segurando-o firmemente contra o peito e sentindo o coração batendo mais forte quando viu o carro daquela que estava tirando-o de sua vida segura, de sua vida certa, de seu porto maior. Apresadamente entrou no carro e não mais sentiu aquele cheiro, não mais sentiu aquela presença, não mais se sentiu. Nem mesmo aqueles olhos claros, aquelas mãos macias, aquele batom vermelho, comparam-se ao ar que aquela mulher que repousava naquele quarto escuro no andar de cima lhe oferecia. Mas estava mais do que comprovado: ele não a merecia. Estava mais do que certo: deveria partir. Era mais do que claro: era pra sempre.